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Goslar (Baixa Saxônia) - Alemanha 2010

  • Foto do escritor: Roberto Caldas
    Roberto Caldas
  • 23 de abr. de 2023
  • 17 min de leitura

Atualizado: 24 de abr. de 2023


Die Worthmühle (restaurante); instalado em uma das casas de enxaimel (Fachwerk) mais antigas e originais de Goslar. Worthstrasse 4, Goslar, grande cidade independente, Estado da Baixa Saxônia, Alemanha.


Goslar, apesar de ser pouco conhecida pelos brasileiros, tem uma grande importância na história da Alemanha, particularmente por que a sua riqueza mineral atraiu o interesse dos imperadores do Sacro Império Romano-Germânico, que aqui instalaram um de seus palácios imperiais.


A riqueza de cobre, chumbo, prata e zinco da mina Rammelsberg foi o motivo da fundação do Palatinado pelo imperador Heinrich II (Henrique II - Santo Henrique, falamos dele no post Dresden e Bamberg) no início do século XI; por conta disso, a primeira assembleia imperial em 1009 deu-se em Goslar e, após o início dos fundamentos do palácio imperial, por volta de 1025, pelo imperador Konrad II (Conrado II), foi residência de reis e imperadores alemães até 1253, perdendo essa posição com o fim da dinastia do Hohenstaufen. A cidade, também, ocupou uma posição importante na Liga Hanseática graças ao comércio de metais.


A paisagem urbana de Goslar é caracterizada pelas cinco grandes igrejas paroquiais e suas torres. Por conta de suas 47 igrejas, mosteiros e capelas, na Idade Média, a cidade era um centro de fé, sendo conhecida, na época, como "Roma do Norte".


A Altstadt (cidade velha) de Goslar foi reconhecida pela UNESCO por sua especial preservação, com mais de 1.500 Fachwerkhäuser (casas em enxaimel) de diferentes épocas, localizadas no seu centro, dentro da antiga muralha da cidade; o maior conjunto da Alemanha. Edifícios imponentes, ruas pitorescas e edifícios históricos dão à cidade velha uma atmosfera especial.




Goslar em 1732, de Cristian Andreas Schmid https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/5/50/Goslar_1732.jpg/1920px-Goslar_1732.jpg


Iniciamos nossa visita na Altstadt (Cidade Velha), precisamente na Marktplatz.


No centro da Marktplatz (Praça do Mercado) encontra-se a Marktbrunnen (Fonte do Mercado), coroada pelo símbolo de Goslar, a águia, presente também no brasão da cidade.


Na verdade, a fonte é uma composição de peças de vários períodos: a concha inferior é datada do século XII e é o maior molde de bronze da época românica; a superior é 100 anos mais nova; o corpo da águia é do século XIII, mas a coroa foi incorporada ao conjunto provavelmente no século XVIII.




Marktplatz, vendo-se parte da Rathaus à esquerda. Goslar, grande cidade independente, Estado da Baixa Saxônia, Alemanha.




Marktbrunnen (Fonte do Mercado), na qual se veem duas taças encimadas pela águia, símbolo da cidade; ao fundo, belo prédio, com a sua parte inferior revestida em ardósia e a superior construída com a técnica enxaimel. Goslar, grande cidade independente, Estado da Baixa Saxônia, Alemanha.


Na Praça do Mercado encontra-se a Rathaus (Prefeitura de Goslar); é um edifício iniciado na metade do século XV com a ala nascente, cujas arcadas estão voltadas para a praça, porém sofreu ampliações ao longo de quase 400 anos.




Rathaus (Prefeitura), com suas arcadas voltadas para a Praça do Mercado. Marktplatz, Goslar, grande cidade independente, Estado da Baixa Saxônia, Alemanha.


O Huldigungssaal (Salão de Homenagem) da Prefeitura de Goslar foi construído, possivelmente, entre 1505 e 1520, como sala de reuniões do conselho. Trata-se de uma joia singular da arte gótica tardia: paredes, teto e até mesmo os nichos das janelas são totalmente cobertos com pinturas em painéis.


Cada pintura individual é uma obra de qualidade que compõe um conjunto harmônico.




Huldigungssaal (Salão da Homenagem), com teto e paredes revestidos com painéis pintados. Rathaus, Marktplatz, Goslar, grande cidade independente, Estado da Baixa Saxônia, Alemanha.




Huldigungssaal (Salão da Homenagem), com teto e paredes revestidos com painéis pintados. Rathaus, Marktplatz, Goslar, grande cidade independente, Estado da Baixa Saxônia, Alemanha.




Huldigungssaal (Salão da Homenagem), com teto e paredes revestidos com painéis pintados. Rathaus, Marktplatz, Goslar, grande cidade independente, Estado da Baixa Saxônia, Alemanha.




Placa explicativa sobre Huldigungssaal. Rathaus, Marktplatz, Goslar, grande cidade independente, Estado da Baixa Saxônia, Alemanha.




Rathausdiele (Hall da Prefeitura). Rathaus, Marktplatz, Goslar, grande cidade independente, Estado da Baixa Saxônia, Alemanha.


Antes mesmo da conclusão do prédio da Rathaus (Prefeitura), os comerciantes de Goslar, os cidadãos mais ricos e influentes da cidade, já haviam erguido o edifício sede de sua guilda (associação que proporcionava assistência e proteção aos membros, durante a Idade Média), também na Marktplatz (Praça do Mercado), em 1494; conhecido como Kaiserworth, o prédio teve sua fachada alterada várias vezes ao longo dos séculos, com justaposição de estilos diversos, como as figuras imperiais barrocas convivendo com a decoração gótica dos nichos. Até hoje funciona no local um hotel de mesmo nome.




Kaiserworth, antiga sede da guilda dos mercadores ou comerciantes da cidade. Marktplatz, Goslar, grande cidade independente, Estado da Baixa Saxônia, Alemanha.


Em seguida, assistimos ao espetáculo de autômatos no Kaiserringhaus; trata-se de um antigo prédio da Fazenda Municipal revestido de painéis de ardósia, no qual foram instalados, entre outros órgãos, a Kämmereigebäude (a sede do Tribunal Distrital) e a Secretaria Municipal das Finanças. Na empena do edifício, há um relógio e sob ele estão três portas que abrem quatro vezes ao dia, de onde surge um grupo de figuras vestidas com trajes de mineiros, movendo-se ao som de um Glockenspiel (carrilhão), contando a história da mineração em Rammelsberg, desde a lendária descoberta do cavaleiro Ramm até os tempos modernos. As figuras e o Glockenspiel foram doados pela empresa Preussag AG (hoje TUI AG) em 1968, por ocasião do milésimo aniversário da mineração em Rammelsberg.




Relógio e Glockenspiel do Kaiserringhaus, onde é exibida a história e o desenvolvimento da mineração em Rammelsberg por meio de figuras representando os mineiros em diversas épocas da atividade. Marktplatz, Goslar, grande cidade independente, Estado da Baixa Saxônia, Alemanha.




Relógio e Glockenspiel do Kaiserringhaus, onde é exibida a história e o desenvolvimento da mineração em Rammelsberg por meio de figuras representando os mineiros em diversas épocas da atividade. Marktplatz, Goslar, grande cidade independente, Estado da Baixa Saxônia, Alemanha.


Nas proximidades da praça temos a Ev.-luth. Marktkirche St. Cosmas und Damian (Igreja Luterana do Mercado de São Cosme e Damião).


Essa igreja foi mencionada pela primeira vez em 1151; sua forma original era uma basílica de pilares em forma de cruz, mas, nos séculos XIV e XV, a sua capela-mor foi ampliada e uma nova nave foi acrescentada de cada lado; as suas torres são altas e muito diferentes, sendo que a do norte tem um mirante para observar toda a cidade velha; outras atrações são as nove janelas medievais de vidro do primeiro terço do século XIII, algumas delas do período românico tardio com cenas de vida de São Cosme e São Damião (uma obra-prima da pintura alemã em vidro), a antiga biblioteca, uma pia batismal de bronze de 1573, os vestígios de pinturas murais góticas tardias, por volta de 1440, e o altar de talha barroca de 1659.


A torre norte da igreja é acessível aos visitantes e, após mais de 200 degraus, a uma altura de 52 m, há uma vista panorâmica deslumbrante da cidade velha de Goslar e seus arredores imediatos.




Ev.-luth. Marktkirche St. Cosmas und Damian (Igreja Luterana do Mercado de São Cosme e Damião), fachada posterior à direita. Marktstrasse, Goslar, grande cidade independente, Estado da Baixa Saxônia, Alemanha.




Altar de talha barroca de 1659 da Ev.-luth. Marktkirche St. Cosmas und Damian (Igreja Luterana do Mercado de São Cosme e Damião). Marktstrasse, Goslar, grande cidade independente, Estado da Baixa Saxônia, Alemanha.




Nave principal, com púlpito à esquerda e o altar ao fundo. Ev.-luth. Marktkirche St. Cosmas und Damian (Igreja Luterana do Mercado de São Cosme e Damião), Marktstrasse, Goslar, grande cidade independente, Estado da Baixa Saxônia, Alemanha.




Marktkirche Taufbecken (Pia Batismal) de 1573. Ev.-luth. Marktkirche St. Cosmas und Damian (Igreja Luterana do Mercado de São Cosme e Damião). Marktstrasse, Goslar, grande cidade independente, Estado da Baixa Saxônia, Alemanha.


Em seguida, fomos visitar o edifício do Restaurants Die Worthmühle, restaurante-bar especializado em cozinha regional e internacional, tendo um biergarten (jardim de cerveja) na margem do rio Abzucht.


O restaurante está instalado em uma das casas de enxaimel (Fachwerk) mais antigas e originais de Goslar, provavelmente do início do século XVI, a cerca de 100 metros da Marktplatz (Praça do Mercado); bem antes da Primeira Guerra Mundial, o prédio era usado como moinho; todo o edifício é um monumento protegido pelo Patrimônio Mundial da UNESCO.




Rio Abzucht, que corta a cidade. Goslar, grande cidade independente, Estado da Baixa Saxônia, Alemanha.




Die Worthmühle (restaurante); bem antes da Primeira Guerra Mundial, o prédio era usado como moinho; ainda hoje, como se pode ver embaixo à esquerda, uma grande mó (pedra circular) histórica ainda testemunha esse tempo. Worthstrasse 4, Goslar, grande cidade independente, Estado da Baixa Saxônia.


Nos rios Gose e Abzucht, havia mais de 40 lugares onde a água era utilizada para movimentar rodas de moinhos nos últimos 1.000 anos.


Hoje apenas um moinho ainda está em funcionamento, mas como museu: Lohmühle. O moinho de Klapperhagen foi construído no início do século XVI e abrigou um moinho de cimento e um curtume na última fase de operação.


Os moinhos dos curtumes eram usados, na Idade Média, ​​para esmagar carvalho, abeto e casca de abeto para obter o ácido tânico necessário para a produção de couro na Idade Média. Os primeiros curtumes empregavam compactadores, que socavam e quebravam a casca em pequenos pedaços, triturando-a. Outro processo, também muito antigo, utilizava mós para moer a casca, o que tornava o produto mais fino.


No final do século XIX, os antigos curtumes manuais perderam importância. Por isso, moinhos desse tipo com estoque preservado são raridades na história da tecnologia atual. A única das antigas 40 fábricas em Goslar e na Alemanha que ainda mantém sua estação de estampagem preservada e operacional é Lohmühle.




Lohnmühle, antigo moinho de curtume, com quase todo seu maquinário, inclusive a roda d'água, preservados. Goslar, grande cidade independente, Estado da Baixa Saxônia.


Zinnfiguren-Museum Goslarer é o mais representantivo museu de estanho da Alemanha e está localizado no Lohmühle restaurado. Aqui, os visitantes experimentam o patrimônio cultural mundial de Goslar, a cidade velha e a mineração em miniatura em cerca de 50 dioramas (representações pictóricas), bem como exibição de cenas da Guerra dos Trinta Anos e do mundo dos contos de fadas.


O visitante ainda pode adquirir figuras de estanho representando imperadores, soldados, mineradores, etc.




Zinnfiguren-Museum Goslarer, museu de figuras feitas de estanho. Am Museumsufer 1, Goslar, grande cidade independente, Estado da Baixa Saxônia.




Figura de estanho representando soldado do século XIX adquirida no Zinnfiguren-Museum Goslarer, museu de figuras feitas de estanho. Am Museumsufer 1, Goslar, grande cidade independente, Estado da Baixa Saxônia.


Na sequência, visitamos um café bastante original, por trás de uma fachada decorativa de uma antiga casa em enxaimel; são três ambientes de caráter completamente diferentes: o café boulevard, o salão barroco com lareira de 1716 e o ​​salão do pavão - com um total de 320 lugares. A Confeitaria e Restaurante Barock-Café Anders, no centro histórico de Goslar, oferece várias especialidades de bolos e um menu de café da manhã e almoço.




Barock-Cafe Anders Konditorei (Barroco Café Anders). Hoher Weg 4, Goslar, grande cidade independente, Estado da Baixa Saxônia.


Por fim, fomos ao Kaiserpfalz (Palácio Imperial de Goslar), uma atração imperdível para todos os visitantes da cidade; construído entre 1040 e 1050 sob o reinado de Heinrich III (Henrique III), imperador do Sacro Império Romano-Germânico, a história alemã foi escrita aqui, por mais de 200 anos, em diversas assembleias imperiais (dietas) e intrigas da corte.


Todas as paredes do Reichssaal (Salão Imperial), com quase 800 metros quadrados, são decoradas com pinturas feitas no século XIX por Hermann Wislicenus, representando cenas que contam a história do Sacro Império Romano-Germânico.


No térreo, há uma exposição dos tesouros do palácio, como o trono imperial de bronze e o misterioso "grifo", que outrora adornava a empena e vigiava o palácio imperial.


Na Ulrichskapelle (Capela Palatina de St. Ulrich), encontra-se o sarcófago do século XIII, um tesouro da arquitetura medieval, que guarda o coração de Heinrich III, o idealizador do palácio.


O palácio imperial foi um dos palcos da disputa pelo comando do Sacro Império Romano-Germânico entre Friedrich I (Frederico I, o Barba-ruiva), imperador, e seu adversário, Heinrich (Henrique, o Leão), duque da Saxônia e Bavária, de 1152 a 1188.


Em frente à fachada leste, veem-se duas réplicas do "Leão de Braunschweig" (representando Henrique, o Leão) e as estátuas equestres de Wilhelm I (Guilherme I), imperador da Alemanha e fundador do Segundo Reich (Império Alemão), e Friedrich I (Frederico I, o Barba-ruiva), o maior herói do Sacro Império Romano-Germânico (Primeiro Reich), erguidas entre 1900 e 1901.




Kaiserpfalz (Palácio Imperial de Goslar), em frente à fachada leste, da esquerda para a direita, as estátuas equestres de Guilherme I, imperador da Alemanha, e Frederico I, o Barba-ruiva, imperador do Sacro Império Romano-Germânico, ladeadas por réplicas do Leão de Braunschweig. Kaiserbleek 6, Goslar, grande cidade independente, Estado da Baixa Saxônia.


Aqui cabe falar sobre, ao nosso ver, o maior herói da Alemanha, seu mais lídimo representante, Frederico I, o Barba-ruiva.


Nascido em Hagenau, em 1122, no Ducado da Suábia, então pertencente ao Sacro Império Romano-Germânico (hoje, fazendo parte do território francês), Frederico era membro da família Hohenstaufen, e, na época de sua juventude, o governante imperial era seu tio, Conrado III, com quem participou da Segunda Cruzada, tendo o exército alemão sofrido um grande revés, na Segunda Batalha de Dorileia, contra os turcos seljúcidas, ocasião em que os alemães bateram em retirada.


Frederico sucedeu seu tio como imperador, em 1152, mas seu governo foi marcado, quase todo tempo, pelo antagonismo com Henrique, o Leão, Duque da Saxônia e da Bavária.


Na sua época de governante, grande parte do norte da Itália compunha o Sacro Império Romano-Germânico, e várias das cidades italianas que se encontravam sob seu governo não aceitavam pacificamente a dominação alemã, promovendo várias rebeliões, muitas delas lideradas por Milão, o que exigiu que Frederico comandasse pessoalmente seis expedições no território da Itália para restabelecer o poder imperial; Milão, inclusive, em uma dessas expedições, foi literalmente destruída em 1162, não ficando pedra sobre pedra.


Em 1189, Frederico iniciou a participação alemã na Terceira Cruzada, na qual também estiveram presentes os reis Ricardo Coração de Leão, da Inglaterra, e Filipe Augusto, da França. Em um primeiro momento, os alemães foram vitoriosos sobre os turcos seljúcidas, conquistando Cônia, na Anatólia Central, hoje território da Turquia, mas essa cruzada terminou tragicamente para Frederico quando iniciava o movimento para o sul, em direção à Palestina, ocasião em que morreu afogado, em junho de 1190, nas águas do rio Saleph, ao tentar cruzá-lo a cavalo.


Frederico, com sua ação enérgica, promovendo um esforço hercúleo para manter a unidade do Sacro Império Romano-Germânico frente à tentativa de maior autonomia dos príncipes germânicos e às rebeliões das cidades italianas do norte, tornou-se símbolo do nacionalismo alemão, bem como da unidade europeia, reunindo os vencidos latinos aos vencedores "bárbaros", a maioria de origem nórdica-germânica (visigodos, ostrogodos, francos, suevos, vândalos, alanos, alamanos, saxões), que, ao final, adotaram a filosofia greco-romana e o Cristianismo dos "derrotados".


Por conta disso, no imaginário alemão, tornou-se personagem de uma lenda, na qual ele vive adormecido, no interior de uma montanha, com a cabeça apoiada em uma mesa; mas, quando sua barba ruiva der sete voltas em torno do tampo da mesa, o grande herói despertará e surgirá à frente de seu povo para novamente governá-lo e levá-lo à vitória.


Colhemos alguns trechos de livros que falam sobre a epopeia de Frederico na Terceira Cruzada, a sua trágica morte e a lenda romântica sobre sua vida sobrenatural:


"Terceira Cruzada.


"(...).


"Apesar do influxo de cruzados ocidentais, Saladino deveria ter o número de homens para contrabalançar, talvez até para suplantar, os sitiantes cristãos durante o longo período de lutas de 1190. Mas um fator o continha: a vinda dos alemães. Já no outono de 1189, Saladino havia recebido notícias de que o imperador Frederico Barbarroxa estava marchando para a Terra Santa à frente de um quarto de milhão de cruzados (...) ao longo da costa Saladino julgou que era provável que Latáquia e Beirute não tivessem chance de resistir a Frederico, assim ordenando que suas muralhas fossem arrasadas para impedir que se tornassem baluartes latinos (...) - (fl. 53).


"(...)


" (...) No final de março de 1190, o imperador Frederico Barbarroxa fez um acordo com os bizantinos e conduziu a cruzada alemã pelo Helesponto (hoje Dardanelos) até a Ásia Menor.


"(...)


"Com a travessia da Ásia Menor quase completa, Barbarroxa dirigiu-se para o sul, ao longo da costa e do território cristão da Armênia cilícia. A cruzada alemã havia sofrido baixas substanciais em termos de homens e cavalos, mas, no geral, Frederico havia conseguido um notável sucesso, prevalecendo onde os cruzados de 1101 e 1147 haviam fracassado. Então, quando as piores dificuldades pareciam superadas, o desastre aconteceu. Aproximando-se de Silifke em junho de 1190, o imperador decidiu impacientemente valdear o rio Selph à frente de suas tropas. Seu cavalo perdeu o pé no meio da travessia, lançando Frederico no rio - num dia escaldante, a água estava incrivelmente fria e, incapaz de nadar, o imperador alemão se afogou. Seu corpo foi trazido para a margem, mas nada pôde ser feito. O mais poderoso monarca da Europa Ocidental, o mais forte governante a aceitar a cruz, estava morto (fl. 58). - "As Cruzadas (vol. 3) - O Desafio dos Campeões", de Thomas Asbridge; tradução de Johann Heyss, Valter Lellis Siqueira, Novo Século Editora, Barueri-SP, 2021.



"No início de 1189, o exército alemão se reuniu em Ratisbona. Com uma espécie de inocência solene, Barba-ruiva enviou um ultimato a Saladino: se ele não entregasse imediatamente Jerusalém e os outros territórios tomados indevidamente aos cristãos, todos os guerreiros do Ocidente investiriam contra a Palestina. O sultão respondeu: 'É pela força de Deus que nós nos tornamos os senhores de Jerusalém e de seu território. Resta somente aos cristãos três cidades, Tiro, Trípoli e Antioquia, que não podem esperar outro fim que não o de serem tomadas. Os fatos sendo assim, se vós quereis a guerra, e se Deus a quer, a fim de que, por sua vontade, nós façamos ainda a conquista de toda a terra dos cristãos, nós vos afrontaremos. Ao contrário, se vós viestes a nós no desejo de paz, ordenareis aos governadores das três cidades entregá-las ao nosso poder sem condições. Então, nós vos devolveremos a Santa Cruz, devolveremos a liberdade de todos os prisioneiros cristãos que se encontram nos nossos Estados, vos permitiremos de ter um padre junto ao Santo Sepulcro, vos restituiremos as abadias que existiam no tempo do paganismo (isto é, antes da conquista muçulmana. Os cristãos não passam de pagãos), e nos os protegeremos. Nós deixaremos, durante nossa vida inteira, o livre acesso da Palestina aos peregrinos; e nós estaremos em paz convosco'.


"Aos olhos de Saladino, tudo podia ainda ser tratado pacificamente, mas com condições inaceitáveis para os cristãos. Aos olhos de Frederico, a solução não podia ser outra que não a sorte da guerra. O pesado exército alemão partiu em 11 de maio de 1189 (...) (fls. 46 a 49, IX - Le derniére chevauchée (1188-1190)).


"(...)


"(...) Em 1º de abril [1190], ele embarcou com seu exército nos navios gregos [bizantinos] em Galípoli e colocou pé na terra na outra margem do Helesponto. Seu próximo objetivo era Cônia [governada pelo sultão turco seljúlcida Kılıç Arslan II] (...) Retomando a rota de sua primeira cruzada, se afastou prudentemente dos desertos interiores, passando por Esmirna e Éfeso, e tomou a rota para Laodiceia. Sobre as alturas que comandam a entrada da cidade, os seljúlcidas aguardavam. Beneficiados pela posição e pela surpresa, eles acreditavam esmagar facilmente o exército dos infiéis; eles foram rapidamente desenganados: a carga da cavalaria alemã os empurrou e os fez comer pó (...) Em 18 de maio, Barba-ruiva enviou seu filho Frederico da Suábia para fazer o cerco de Cônia, que se rendeu. (...).


"Mas enfim, estava-se em terra cristã, preservado dos assaltos dos turcos; as rudes montanhas e os desertos tinham dado lugar a pomares sorridentes; (...) a rota de Antioquia se abria, e se esperava celebrar lá a festa dos Santos Apóstolos. E, na sequência, lado a lado com os ingleses, os franceses, os escandinavos, arrancar-se-ia aos infiéis a tumba do Cristo Glorioso. Em 10 de junho, ao norte de Selêucia [atual Silifke], os guias armênios conduziram os alemães ao vau do Saleph [rio Göksu]. No momento em que o imperador entrou no rio, seu cavalo foi arrastado pela correnteza. O animal assustou-se a tal ponto que o seu ousado cavaleiro não conseguiu mais dominá-lo? Ou não foi o cavaleiro que, após uma longa cavalgada exposto ao sol, foi tomado de congestão na água fria do rio? Correu-se pelas margens, recuperou-se o corpo arrastado pela água rio abaixo. Mas o grande Barba-ruiva, o guerreiro intrépido, o capitão invencível, tinha cessado de viver (fls. 61 a 65, IX - Le derniére chevauchée (1188-1190)).


(...)


A amargura dessa morte súbita, a surpresa que ela causou, a convicção de que ela arrancou esse homem de sessenta e oito anos de um destino glorioso, aumentou sua fama bem mais do que se ele tivesse alcançado dez vitórias. Elas fizeram nascer logo no povo alemão, que não havia testemunhado esse afogamento tão banal, o mito da sobrevivência de Barba-ruiva. (...) No século XVI foi forjada essa lenda, irmã daquela da "Bela Adormecida", mas mais digna da imaginação alemã, que o grande imperador ainda vive, escondido no subterrâneo de uma fortaleza (lembrança, talvez, do cativeiro de Ricardo [Coração de Leão]), na montanha de Kyffhäuser, na Turíngia. Apoiado numa mesa de pedra, ele dorme um longo sono; mas sua barba de fogo continua a crescer; e quando ela rodear sete vezes a mesa, Frederico, despertando, sairá de seu retiro desconhecido e virá restaurar a unidade de nação germânica e seu entusiasmo conquistador (tradução livre do francês - fls. 76 a 78, IX - Le derniére chevauchée (1188-1190)) - "Frédéric Barberousse - Une Épopée du Moyen Âge", de Ivan Gobry; Éditions Tallandier, Paris, 1997; livro eletrônico Editions Frédérique PATAT, Paris, 2015.


Mas o grande escritor e professor de semiótica italiano Umberto Eco, no seu livro "Baudolino", ao nosso ver de forma sarcástica, subverteu o relato da morte do herói alemão, dando a entender que ele fora assassinado, e, para que sua guarda pessoal não fosse acusada do crime ou, pelo menos, da falha de segurança, esta forjara o afogamento do imperador, que pretensamente resolvera nadar sozinho no rio, de manhã, antes de seguir com sua tropa:


"- Uma vez conquistada Cônia, Frederico enviou imediatamente embaixadores a Leão da Armênia, para que o ajudasse a prosseguir através de seus territórios. (...) E, contudo, Leão não havia mandado ninguém para acolher-nos. Talvez ele tenha sido tomado pelo medo de acabar como o Sultão de Cônia. De modo que seguimos adiante sem saber se íamos receber ajuda (...) Um dia de junho, dobrando em direção ao sul, passada Laranda, nos aventuramos pelos montes Tauro, e por fim vimos cemitérios com cruzes. Estávamos na Cilícia, em terra cristã. Em seguida, nos recebeu o senhor armênio de Sibilia e, mais adiante, junto a um rio maldito, cujo nome prefiro esquecer, encontramos uma embaixada que vinha em nome de Leão. (...) apesar do grande desejo de ajudar o imperador, o príncipe armênio não podia mostrar a Saladino que abria o caminho a seus inimigos e, portanto, tinha que atuar com muita prudência (fls. 356 a 357).


"(...)


"- Aqui estamos - disse então Ardzrouni -; senhor, podes fazer que teu exército acampe na planície, e te aconselho que os disponhas lá, rio abaixo, onde há espaço para as tendas, e água para os homens e os animais. Minha fortaleza não é grande e te aconselho que subas só com um grupo de homens de confiança.


"(...)


"Dormirei nesse castelo - disse [imperador] -. Amanhã me banharei no rio, e para fazê-lo não vos necessitarei. Virei nadando a desejar-lhes bom dia (fls. 359 a 360).


"(...)


"Estou cansado - disse [imperador] -. Baudolino, agora me recolho nesta quarto com a tranca. Montai boa guarda, e agradeço por vossa devoção. Não me desperteis até que o sol esteja alto no céu. Logo irei banhar-me. - E acrescentou, no entanto -: Estou terrivelmente cansado, quisera não despertar por séculos e séculos.


"(...)


"Saíram. Frederico juntou as folhas da porta, e eles ouviram o barulho da tranca. Se espalharam sobre os bancos no entorno.


"(...).


"A sala de armas já estava iluminada pela manhã triunfante. Alguns servos trouxeram pão e vinho, e algumas frutas do lugar. Ainda que Baudolino advertisse que não fizessem barulho, para não perturbar o imperador, todos estavam de bom humor. Ao cabo de uma hora, pareceu a Baudolino que, ainda que Frederico tivesse pedido que não o despertasse, era bastante tarde. Chamou-o à porta, sem obter resposta. Chamou-o uma vez mais.


"(...) Na quarta tentativa, a porta cedeu.


"Então, tombado em meio ao quarto, viram Frederico exâmine, quase nu, tal e como havia se acostado (...).


"(...) O rabino Salomão se inclinou sobre ele, tentou abrir-lhe os olhos, tocou-lhe a testa, o pescoço, o pulso; logo disse tremendo:


"- Este homem está morto, que o Santo, bendito seja para sempre, tenha piedade de sua alma .


"(....)


"Não - disse o Poeta -. Amigos, nós estamos batendo cabeça. Frederico está morto, e nós sabemos que ninguém teria conseguido entrar neste quarto trancado. Mas o filho e os demais barões não o sabem. Para eles, fomos nós (fls. 376 a 378).


"(...)


" - E então? - perguntou Baudolino.


"- E então - disse o Poeta -, a única solução é fazer crer que Frederico morreu fora daqui, onde nós não estávamos obrigados a protegê-lo.


"- Mas como?


"- Não disse que queria nadar no rio? Nós o vestimos de qualquer maneira e lhe colocamos em cima a capa. Baixamos ao pequeno pátio, onde não há ninguém, mas desde ontem à noite esperam os cavalos. Nós o atamos à sua sela, vamos ao rio, e lá as águas o arrastarão. Morte gloriosa para este imperador que, já velho, enfrentou as forças da natureza (...). 381


"(...).


"Desataram o cadáver de Frederico, o desnudaram, deixando-lhe o pouco que um imperador nadador haveria desejado para defender seu pudor. Enquanto o empurravam para o centro do rio, a corrente se apoderou dele, e o corpo foi tragado rio abaixo. Entraram no rio, puxaram as rédeas de maneira que parecesse que os cavalos estavam empinando, remontaram e seguiram a galope aquele pobre despojo, golpeado entre água e pedra, fazendo gestos de alarme e gritando aos do campo que salvassem o imperador.


"Mais abaixo alguns se deram conta de seus sinais, mas não entendiam o que estava acontecendo. O corpo de Frederico era presa dos redemoinhos, ia à frente girando, desaparecia sob a água e aflorava novamente à superfície por pouco tempo. Ao longe, era difícil que se entendesse que havia um homem se afogando. Afinal, alguém compreendeu, três cavaleiros entraram na água, mas o corpo, quando chegou até eles, chocou-se contra os cascos dos atemorizados cavalos e prosseguiu. Mais adiante, alguns soldados entraram na água com lanças e conseguiram arpoar o cadáver, levando-o para a margem. Quando Baudolino e Abdul chegaram, Frederico se apresentava desfigurado pelos golpes contra as pedras e ninguém poderia acreditar que tivesse sobrevivido. Levantaram-se altos lamentos, avisou-se ao filho, que chegou pálido e ainda mais febril, lamentando que seu pai tivesse mais uma vez tentado lutar com as águas do rio" (tradução livre do espanhol - fls. 380 a 383) - "Baudolino", de Umberto Eco, tradução para o espanhol de Helena Lozano Mirallles; Peguim Random House Grupo Editorial, Barcelona, 2001; Debolsillo, quinta edição, primeira reimpressão, março 2016.




Estátua equestre do Kaiser Friedrich I, Barbarossa (Frederico I, o Barba-ruiva, imperador do Sacro Império Romano-Germânico). Kaiserpfalz, Kaiserbleek 6, Goslar, grande cidade independente, Estado da Baixa Saxônia.



Vista de Goslar a partir do entorno do Palácio Imperial, tendo, ao fundo, as torres da Marktkirche. Goslar, grande cidade independente, Estado da Baixa Saxônia.


E aqui acaba a nossa primeira experiência na belíssima Alemanha.


Fontes:


Wikipedia;


"Alemanha", Guia Visual, PubliFolha, São Paulo, SP, 7ª edição, 2012; 1ª reimpressão: 2013.


"Frommer's Alemanha Dia a Dia", por George McDonald e Donal Olson, Alta Books, Rio de Janeiro, RJ, 1ª edição, 2014.




https://www.zinnfigurenmuseum-goslar.de/

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